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Precisamos ter um debate franco sobre o enterramento de redes elétricas

Precisamos ter um debate franco sobre o enterramento de redes elétricas

Por: Agência Eixos

O enterramento de redes elétricas tem sido apontado como uma alternativa atrativa para enfrentar os impactos de eventos climáticos extremos, como os ocorridos no último mês de setembro por conta dos ventos de 120 km/h que atingiram a capital paulista.

O evento ocasionou a destruição de equipamentos elétricos levando a interrupções no fornecimento de energia em diferentes regiões da cidade. Entretanto, essa solução envolve diversas considerações técnicas e financeiras que precisam ser avaliadas de forma cuidadosa.

Em primeiro lugar, é importante destacar a questão do custo para fazer o enterramento dos fios. Redes subterrâneas custam de 8 a 10 vezes mais do que redes aéreas e é preciso fazer uma avalição do custo-benefício para cada região.

O Brasil é um país de dimensões continentais e só foi possível chegar aos 99,8% dos lares atendidos por rede elétrica por conta da adoção das redes aéreas, de instalação mais baratas.

Esse também é o caminho escolhido por países de dimensões parecidas com a nossa, como os Estados Unidos, que possuem apenas 20% da rede enterrada. Mesmo em estados frequentemente assolado por furacões e enchentes, como a Flórida, apenas 36% da rede é subterrânea.

O custo também é uma das principais barreiras por lá. De acordo com um estudo feito pela North Carolina Utilities Commission, o regulador do estado da Carolina do Norte, estado que sofreu grande destruição recentemente pelo furacão Helene, o aterramento de toda a rede elétrica naquele estado levaria a um incremento na tarifa de 125%.

Além disso, a divisão dos custos poderá ser injusta se o investimento no enterramento da fiação for feito pelas distribuidoras de energia. Isso porque o regramento atual prevê que o custo do enterramento da rede em um bairro seja compartilhado por todos os clientes daquela área de concessão.

Então, no caso de São Paulo, por exemplo, se a concessionária enterrar a rede na região dos Jardins, esse investimento iria encarecer a tarifa dos moradores da Zona Leste, sem que estes experimentem qualquer melhoria no serviço referente ao investimento extra. E como existem outros 23 municípios na área de concessão, também aumentaria a tarifa em Carapicuíba e Taboão da Serra, por exemplo.

A alta na conta de luz impacta também na inflação, porque eleva o custo de produção e transporte de bens e serviços. Quando a energia elétrica fica mais cara, empresas e indústrias precisam gastar mais para manter suas operações, o que resulta em repasse de custos para o consumidor final. Isso significa que produtos essenciais, como alimentos, roupas e medicamentos, sofrem aumentos de preço quando o conta de energia sobe.

Por isso, investimentos de reorganização urbana são tipicamente realizados com recursos públicos, precedidos de estudos que indiquem em que localidades um eventual enterramento de redes seria mais efetivo. Até porque redes subterrâneas são protegidas de quedas de árvores e ventos fortes, mas são mais vulneráveis a alagamentos, por exemplo.

Mas, se o enterramento não é uma solução imune aos eventos climáticos, que outras soluções teríamos?

Uma solução é investir em planejamento urbano adequado, com a previsão de manejo arbóreo, e, eventualmente, o plantio de espécies de menor porte, principalmente em grandes centros urbanos, onde não há espaço adequado para as raízes de grandes árvores se desenvolverem.

É o projeto das florestas urbanas, onde essa substituição de grandes árvores seja acompanhada do plantio de outras 5 árvores de espécies nativas em terrenos públicos desocupados, tanto para preservar o microclima da cidade como para manter a captura de gases de efeito estuda.

Na Flórida, por exemplo, após a temporada de furações de 2004/2005, ocorreu a implementação de um novo modelo de manejo de vegetação, além de investimentos em maior resiliência das redes aéreas e modernização dos sistemas de monitoramento e automação, para que a identificação dos problemas fosse mais precisa e a resposta mais efetiva.

Ainda assim, eventos extremos são, com o perdão da tautologia, extremos. Quando o furacão Irma passou pela Flórida, em 2017, 64% dos consumidores do estado ficaram sem energia elétrica e, nas regiões mais afetadas, este número chegou a 83% das unidades consumidoras.

Embora a maior parte da rede tenha sido recomposta em nove dias, a recomposição total levou 12 dias. No caso do furacão Ian, que passou pela Flórida em 2022, a recomposição do serviço de energia elétrico ocorreu após oito dias.

Para a recuperação de perdas por consumidores e pequenos negócios, os Estados Unidos possuem uma gama de programas de assistência a desastres naturais no âmbito estadual e federal, que são coordenados por uma agência federal, a Fema.

Existe desde um auxílio emergencial e imediato de US$ 750, sem maiores burocracias, para uma ajuda com remédios e alimentos perdidos na geladeira, até linhas de auxílio para compra de eletrodomésticos e reparos nas residências afetadas.

Diante deste cenário, fica claro que o debate não é sobre enterrar ou não as redes, mas sim como buscar alternativas para aumentar a sua resiliência de forma mais barata e efetiva. Da parte das distribuidoras que atuam no Brasil, serão investidos cerca de R$ 130 bilhões nos próximos quatro anos, sendo cerca de 40% para obras de melhoria e modernização das redes elétricas.

É ainda fundamental o envolvimento da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e dos governos estaduais e municipais. Somente com uma construção coletiva e colaborativa entre todas as partes teremos condições de dar respostas mais eficazes para enfrentar eventos climáticos extremos. Eventos esses que serão cada vez mais frequentes.


Ricardo Brandão é diretor de regulação da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).

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